A LINHA DOS BOIADEIROS
Os
espíritos que se manifestam na Umbanda na Linha dos Boiadeiros são
aguerridos, valorosos, sisudos, de poucas palavras, mas de muitas ações.
Apresentam-se como espíritos que encarnaram, em algum momento, como
tocadores de boiada, vaqueiros, pastoreadores etc. Os seus pontos
cantados sempre aludem a bois e boiadas, a campos e viagens, a ventanias
e tempestades. O laço e o chicote são seus instrumentos magísticos de
trabalhos espirituais. Eventualmente usam colares de sementes ou de
pedras. O Arquétipo da Linha de Boiadeiros é a figura mítica do peão
sertanejo, do tocador de gado, enfim, dos homens que viveram na lida do
campo e dos animais e que desenvolveram muita força e habilidade para
lidar contra as intempéries e as adversidades. É um Arquétipo forte,
impositivo, vigoroso, valente e destemido. Representa a natureza
desbravadora, romântica, simples e persistente do homem do sertão,
também chamado de caboclo sertanejo. Lembra os vaqueiros, boiadeiros,
laçadores, peões e tocadores de viola; muitos deles mestiços, filhos de
branco com índio, de índio com negro etc., trazendo à nossa lembrança a
essência da miscigenação do povo brasileiro, com seus costumes,
crendices, superstições e fé. Existem, no Astral, muitos espíritos que,
em suas últimas encarnações, praticamente viveram sobre o lombo dos
cavalos, dedicando-se a criar e a domesticar esses animais, tão úteis à
humanidade, já que até um século atrás o cavalo era o principal meio de
transporte. Foram vaqueiros, domadores de cavalos, soldados de cavalaria
etc., e guardam em suas memórias recordações preciosas e inesquecíveis
daqueles tempos. Em homenagem a eles é que se construiu, no Astral, o
Arquétipo da Linha dos Boiadeiros. Nesta Linha manifestam-se espíritos
que usam seus conhecimentos ocultos para auxiliar pessoas que estejam
atravessando momentos muito difíceis. São combativos, inclusive no corte
de magias negativas, porque conseguem promover "um choque” em nosso
campo magnético e liberá-lo de acúmulos negativos, obsessores etc. Nem
todos foram, de fato, "boiadeiros”, mas todos eles têm em comum a
capacidade de atuar num campo específico e que caracteriza a Linha, qual
seja o de nos trazer uma energia vigorosa, muito útil na quebra de
cargas e magias negativas e para desfazer "cristalizações” mentais
negativas, pois os Boiadeiros atuam no campo da Lei Divina e na Linha do
Tempo. A Linha de Boiadeiros é sustentada, num dos seus Mistérios, pelo
Orixá Ogum. Por isso, eles são verdadeiros "soldados” que vigiam tudo o
que acontece dentro do campo da Lei Maior, estando sempre prontos a
acudir os necessitados. Na Linha do Tempo, atuam sob a Regência de Mãe
Oyá-Tempo e de Mãe Yansã, combatendo as forças das trevas pela
libertação e o reerguimento consciencial dos espíritos que se
negativaram, se desequilibraram e se perderam, recolhendo-os e os
encaminhando para o seu local de merecimento na Criação. Embora a Linha
seja sustentada por esses Orixás (Ogum, Oyá-Tempo e Yansã), cada
Boiadeiro vem na Irradiação de um ou mais Orixás que os regem
especificamente, como acontece nas demais Linhas de Trabalho da Umbanda.
Na linguagem dos Boiadeiros, "boi” é o próprio ser humano em
desequilíbrio. Ou seja, são os espíritos encarnados e os desencarnados
em desequilíbrio perante a Lei Maior, necessitados de auxílio. Suas
referências a cavalos, a tocar a boiada, a laçar e trazer de volta "o
boi” desgarrado do rebanho, ou atolado na lama, ou arrastado pelos
temporais, ou que se embrenhou nas matas e se perdeu, ou que foi
atravessar o rio e foi arrastado pela correnteza etc., tudo isso tem a
ver com o trabalho realizado pelos destemidos Boiadeiros de Umbanda:
eles resgatam os espíritos que se rebelaram contra a Lei Divina, pois
esses espíritos são como "bois e cavalos” que não aceitam os "cabrestos”
ou limites criados pela Lei de Deus e que por isso precisam ser
"domesticados” e educados. Nada melhor que os Boiadeiros para fazer
isso. Quando um Boiadeiro da Umbanda gira no ar o seu laço, ele está
criando magisticamente, dentro do espaço religioso do Terreiro, as ondas
espiraladas do Tempo, que irão recolher os espíritos perdidos nas
próprias memórias desequilibradas e/ou irão desfazer energias densas
acumuladas no decorrer do tempo. Já quando um Boiadeiro vibra o seu
chicote, está recorrendo de forma magística e religiosa à Divina Mãe
Yansã, para movimentar e direcionar os espíritos estagnados no erro e na
desordem. É muito efetivo o seu trabalho contra os espíritos
endurecidos ("eguns”). Dentro da Linha de Boiadeiros, em algumas Casas
também se manifestam os "Cangaceiros”, simbolizando os espíritos
daqueles que em recente encarnação viveram no sertão e lutaram contra
grandes injustiças sociais. Isso pode parecer estranho, à primeira
vista, e muitos se perguntam o quê um "cangaceiro” teria a oferecer, em
termos de trabalho espiritual de ajuda. Ocorre que os "cangaceiros” do
sertão brasileiro de fato surgiram, em meados dos anos 1920, para
defender as populações humildes dos maus tratos e desmandos dos
"coronéis” e demais detentores do poder material, que massacravam os
menos favorecidos, tomando-lhes muitas vezes até as mulheres, os poucos
bens e a dignidade pessoal. Esses homens "poderosos” mandavam e
desmandavam, pois se achavam acima das leis humanas e, por certo, não
conheciam ou não respeitavam as Leis Divinas. E os "cangaceiros”
(Lampião e seu "bando”, os mais famosos) representaram, à época, um
movimento popular de revolta e combate a tais desmandos. Foram
marginalizados, até porque aos "poderosos” isso convinha. É provável que
tenham cometido lá seus excessos também, respondendo à violência das
armas com outras armas; mas, pelo menos, tinham a justificativa de estar
lutando pelos mais fracos. Já os opressores, qual desculpa teriam?
Enfim, o temperamento combativo desses espíritos de certa forma foi-se
agrupando à Linha dos Boiadeiros e eles começaram a se manifestar para
trabalhar, nos Terreiros de Umbanda que os acolhiam. Não são "bandidos e
malfeitores”, mas espíritos que têm identificação com o Arquétipo do
sertanejo forte e destemido. Há Casas em que os Cangaceiros vêm na Linha
de Baianos. Mas, tecnicamente falando, e sem desrespeitar opiniões em
contrário, se bem analisarmos os Arquétipos das duas Linhas mencionadas,
parece mais adequado a sua aproximação com os Boiadeiros. Porque o
Arquétipo do Boiadeiro é o do homem sertanejo. Já o Arquétipo dos
Baianos é o dos Sacerdotes (construído a partir dos primeiros Sacerdotes
da Bahia e do Nordeste, que mantiveram, sustentaram e divulgaram o
Culto aos Orixás). Mas, é claro, a Umbanda é uma religião universalista,
voltada unicamente para a prática do Bem, de modo que não vale a pena
discutir sobre divergências menores. Essencial é verificar se os
espíritos que se manifestam estão praticando o Bem, dentro dos
fundamentos da religião, independente do nome com o qual se apresentem.
Significado de algumas expressões usadas pelos Boiadeiros
(Fonte: "Arquétipos da Umbanda”, Rubens Saraceni, 2007, Madras Editora, página 110)
Cavalos= filhos de fé;
Boi= espírito acomodado;
Boiada= grande grupo de espíritos reunidos por eles e reconduzidos lentamente às suas sendas
evolucionistas;
Laçar= recolher à força os espíritos rebelados;
Boi atolado= espírito que afundou nos lamaçais e regiões pantanosas;
Boi açoitado pelos temporais= egum caído nos domínios de Yansã e do Tempo, onde os "temporais são inclementes”;
Açoite ou chicote= instrumento mágico de Yansã, feito de fios de crina ou de rabo de cavalo;
Laço= instrumento do Tempo (Mãe Oyá -Tempo);
Bois afogados em rios= espíritos caídos nas águas profundas das paixões humanas;
Bois arrastados pelas correntezas= espíritos arrastados pelas correntezas turbulentas da vida;
Bois que se embrenharam nas matas e se perderam= espíritos que entraram de forma errada nos domínios de Oxóssi;
Bois atolados em lamaçais= espíritos caídos nos domínios de Nanã Buruquê;
Bois perdidos nos pantanais= espíritos que abandonaram a segurança da razão e se entregaram às incertezas das emoções.
Nomes simbólicos:
Boiadeiro
da Serra da Estrela, Zé do Laço, Zé das Campinas, João Boiadeiro,
Boiadeiro da Jurema, Boiadeiro do Lajedo, Boiadeiro do Rio, Carreiro,
Boiadeiro do Ingá, Boiadeiro de Imbaúba, Boiadeiro Chapéu de Couro,
Boiadeiro Juremá, Zé Mineiro, Boiadeiro do Chapadão.
Dia da semana: A
terça-feira, associada a Marte e aos Orixás Ogum e Yansã. Algumas Casas
lhes dedicam a quinta-feira, na regência do planeta Júpiter, este
associado aos Orixás Xangô e Egunitá, por entenderem que os Boiadeiros
são regidos pelos Orixás Ogum, Yansã e Egunitá. Considerando que há uma
grande ligação entre os campos da Lei e da Justiça Divinas, essa
interpretação tem lá seus fundamentos.
Campo de atuação: Recolhem
os espíritos que se desviaram perante a Lei Divina e agem de forma
desequilibrada em qualquer dos Sentidos da Vida; combatem os espíritos
trevosos e as magias negativas; promovem uma limpeza profunda em nosso
campo magnético, despertando em nossas vidas, de forma ordenada,
movimento e direção.
Ponto de força: Os caminhos, as campinas, os espaços abertos e as pedreiras. Saudação: Jetuá, Boiadeiro!
Cor: Azul escuro e amarelo. Em algumas Casas também o marrom e/ou o roxo.
Elementos de trabalho: Berrante,
couro, laço, cabaça, terra, pedras, semente olho de boi, anis
estrelado, corda, chifres, chicotes, pembas. Ervas: Folhas de bambu,
arruda, eucalipto, peregum, quebra-demanda, espada de São Jorge, lança
de Ogum, espada de Santa Bárbara, pinhão roxo, casca de alho, casca de
cebola, canela, anis estrelado, cravo, folhas de limão e de laranjeira,
folhas de café e de fumo (tabaco). Fumo/defumação: Cigarro de palha,
fumo de corda, charuto. Incenso: Benjoim, anis estrelado, cravo, canela,
arruda, eucalipto.
Pedras: Hematita,
Granada, Turmalina Preta, Ônix Preto. Também e especialmente as Drusas
de Cristal e as Drusas de Ametista. As drusas são agrupamentos de várias
pontas em uma única base. Elas trabalham a união e o agrupamento de
pessoas ou de objetivos e limpam o ambiente. (Fonte quanto às Drusas:
"Os cristais e os Orixás”, Angélica Lisanty, Madras Editora, 2008,
página 84.)
Frutos: Abacaxi,
carambola, limão, laranja, uva, banana, açaí, frutas de casca amarela
ou vermelha, as frutas ácidas em geral, abóbora, cará, mandioca. Flores:
Cravos vermelhos, rosas vermelhas e amarelas, flores vermelhas e
amarelas em geral.
Bebidas: Suco
de frutas ácidas; vinho tinto seco; vinho branco; aguardente com
pedaços de canela; água de coco; cerveja clara; conhaque; café com
canela; vinho tinto doce ligeiramente aferventado com folhas frescas de
eucalipto; vinho tinto doce fervido com pedacinhos de gengibre. Resina:
Benjoim (serve apenas para defumações, e NÃO para banhos). Oferenda:
Frutas, ervas (inclusive dos Orixás Ogum, Oyá-Tempo e Yansã), bebidas,
pedras, velas.
Resina: Benjoim (serve apenas para defumações, e NÃO para banhos).
Oferenda: Frutas, ervas (inclusive dos Orixás Ogum, Oyá-Tempo e Yansã), bebidas, pedras, velas.
Texto doutrinário:
Os Boiadeiros
Fonte: "Arquétipos da Umbanda”, Rubens Saraceni, Madras Editora, 2007, páginas 108/109 e 111.
A
Bíblia cita carruagens de fogo (de luz) puxadas por cavalos. Também
cita os Cavaleiros do apocalipse, em suas cavalgadas pelo espaço levando
o terror aos pecadores. Outras mitologias religiosas citam seres
espirituais que cavalgam pelo espaço infinito. Inclusive, a Mitologia
cita as Valquírias, que eram (ou são) exímias amazonas sobrenaturais. A
mitologia grega cita Pegasus, o cavalo alado, e cita seres que têm corpo
de cavalo e humano. Bem, separando as descrições míticas, temos de fato
espíritos de cavalos que, após desencarnarem, retornam para uma
dimensão da vida que é, em si, uma realidade de DEUS, toda dedicada a
abrigá-los. E não só aos que encarnaram, porque essa realidade se
assemelha a um sonho ou a um conto de fadas. Além de ser uma dimensão
quase toda plana, só quebrada por algumas ravinas, colinas, bosques e
riachos, ela é infinita em qualquer direção, e é toda verdejante,
recoberta por algumas espécies de gramíneas ou capins de baixa estatura.
Nela vivem equinos das mais variadas espécies, cada uma tão bela quanto
as outras; e andam em manadas tão grandes que encantam os olhos de quem
os vê correndo ao longe. Ninguém é obrigado a crer no que aqui
revelamos, mas essa dimensão realmente existe. Assim como existem os
verdadeiros exércitos de espíritos montados em seus garbosos cavalos
que, a um comando dos seus montadores, se atiram numa cavalgada pelo
espaço. Briosos e fogosos, esses cavalos obedecem aos seus montadores
como se ouvissem o pensamento deles. Esses exércitos de espíritos
montados vigiam, como soldados dedicados, tudo o que acontece nos campos
da Lei Maior e sempre estão prontos e alertas para acudirem os
necessitados. Ogum, na Umbanda, difere um pouco de sua descrição no
Candomblé porque nela Ele foi todo associado à Lei Maior e é "o senhor
das demandas”. Ogum corta demandas o tempo todo para os umbandistas. São
pedidos e mais pedidos nesse sentido e ninguém mudará essa imagem, esse
arquétipo de Ogum, pois foi pra exercê-la que ele foi incorporado à
nascente religião umbandista. Pois bem, a Linha de Boiadeiros é
sustentada, em um dos seus Mistérios, por Ogum, e a alusão aos cavalos,
ao tocar da boiada, ao laçar e trazer de volta o boi desgarrado do
rebanho, o atolado na lama, o arrastado pelos temporais, o que se
embrenhou nas matas e se perdeu, o que foi atravessar o rio e foi
arrastado pela correnteza, etc., tudo tem a ver com o trabalho realizado
por esses destemidos espíritos Boiadeiros de Umbanda. E assim
sucessivamente com as alusões dos seus pontos cantados, pois as
"ventanias”, as "poeiras”, as "enxurradas” e outros simbolismos indicam
os campos de atuação e de ações desses espíritos aguerridos que lidam
com os "bois desgarrados do grande rebanho”. Na Bíblia, o cordeiro
simboliza espírito. Na Umbanda dos Boiadeiros eles são chamados de
"bois”. Boiadeiros são espíritos que conduzem de volta às pastagens
tranquilas e seguras os "bois” que se "desgarraram” e se desviaram da
grande corrente evolucionista humana. É para buscá-los de volta e
reincorporá-los, mesmo que à força (o laço e o chicote), que os
Boiadeiros (Caboclos de Ogum ligados ao TEMPO) existem. Eles não são só
espíritos de ex-vaqueiros ou ex-peões. Eles são grandes resgatadores de
espíritos rebelados contra a Lei Maior porque não aceitam os "cabrestos”
ou as "peias” criadas por ela [Lei Maior] para educar os "cavalos e
bois” [espíritos] chucros e arredios, difíceis de serem domados e
domesticados. O simbolismo por alusão é tão associado à lida com o gado e
com suas dificuldades que, ou o interpretamos corretamente ou muitos
desavisados ficarão com a impressão de que eles são só espíritos de
ex-peões tocadores de gado do plano material. Ogum é o senhor das
demandas; Yansã é a senhora dos Eguns (espíritos); Logunan é a senhora
do Tempo cronológico [Obs.: do tempo que passa, das eras, e também do
Tempo Infinito de Deus, que é a eternidade]. No tempo, em que tudo
acontece (a evolução), esses Caboclos de Ogum demandam com as forças das
trevas pela libertação e reerguimento consciencial dos espíritos,
amparados pela nossa Divina Mãe Yansã. Também, a Linha de Boiadeiros é
uma linha transitória criada por Ogum e outros Orixás para que todos os
Exus de Umbanda, assim que evoluam, possam galgar um novo grau de
trabalhos espirituais, no qual deixam de ter que atender a todos os
pedidos, não importando se são justos ou injustos, se são bons ou ruins,
pois Exu é neutro e assume a polaridade de seu ativador. [Obs.:
Exu é neutro. Ele "funciona” de acordo com a polaridade da pessoa que o
ativa. Mas a responsabilidade é de quem o ativou e lhe deu a própria
polaridade, boa ou má]. Todo espírito que atua como Exu de
Umbanda, ao conquistar o grau de Boiadeiro, recupera o seu livre
arbítrio e já não é obrigado a responder às invocações com fins
negativos. Após conquistar o grau de Boiadeiro, o espírito deixa de ser
conduzido pelos "bois” e torna-se um tocador "de gado”.
Jetuá, Boiadeiro!